domingo, 2 de dezembro de 2007

A BÍBLIA PASSADA A LIMPO

Descobertas recentes da arqueologia indicam que a maior parte das escrituras sagradas não passa de lenda
Por Vinicius Romanini

O ANTIGO TESTAMENTO
O DILÚVIO - Cientistas conseguiram demonstrar que a narrativa do Gênesis é uma apropriação do mito mesopotâmico/babilônico de Gilgamesh - que narra uma enchente de proporções enormes que teria acontecido no Oriente Médio e na Ásia Menor. O povo hebreu entrou em contato com esse mito no século VI A.C. durante o exílio babilônico. O Gênesis teria sido escrito nessa época assimilando a lenda. Ruinas achadas no Mar Negro mostram que houve uma catastrófica enchente por volta de 5.600 a.C. O nível do mar Mediterrâneo subiu e irrompeu pelo Estreito de Bósforo, inundando a planície onde hoje está localizado o Mar Negro. Sobreviventes migraram para a Mesopotâmia, surgindo assim a história do dilúvio no texto sumério de Gilgamesh.

O ÊXODO - Não há registro arqueológico ou histórico da pessoa de Moisés ou dos fatos ocorridos de Êxodo. O episódio foi incluido na Torá provavelmente no século VII A.C. por escribas do Templo de Jerusalém. Para combater o politeísmo e o culto das imagens, os rabinos inventaram um novo código de leis e histórias de patriarcas heróicos. A prova de que esses textos são lendas estaria nas inúmeras incongruências culturais e geográficas entre o texto e a realidade. Muitos reinos e locais mencionados no livro sequer existiam no século XIII a.C. e só surgiriam 500 anos depois.

MONTE SINAI - Não existe. A escolha do lugar que passou a ser conhecido como Monte Sinai ocorreu entre os séculos IV e VI d.C. por monges bizantinos.

AS MURALHAS DE JERICÓ - A arqueologia diz que Jericó nem tinha muralhas nesse período. A tomada de Canaã pelos hebreus aconteceu de forma gradual, quando as tribos hebraicas trocam o pastoreio pela agricultura dos vales férteis. A história da conquista foi escrita durante o século VII A.C. mais de 500 anos depois da chegada dos hebreus aos vales cananeus.

DAVI - Em 1993 foi encontrada uma pedra datada do século IX a.C. com escritos que mencionam um rei hebreu chamado Davi, mas não há qualquer evidência das conquistas narradas na Bíblia. Davi pode ter sido o líder de um grupo de rebeldes vindos de camadas pobres dos cananeus.

SALOMÃO - Não há sinal de arquitetura monumental em Jerusalém ou em qualquer das outras cidades citadas pela Bílbia em que o rei Salomão teria construido templos, palácios e fortalezas. Assim como Davi, Salomão seria apenas um pequeno líder tribal de Judá.


O NOVO TESTAMENTO - Seus textos não foram ecritos pelos evangelistas em pessoa, como muita gente supõe, mas por seus seguidores, entre os anos 60 e 70, décadas depois da morte de Jesus, quando as versões estavam contaminadas pela fé e por disputas religiosas. Nessa época, os cristãos estavam sendo perseguidos e mortos pelos romanos, e alguns dos primeiros apóstolos estavam velhos e doentes. Havia, portanto, o perigo de que a mensagem cristã caisse no esquecimento se não fosse colocada no papel. Marcos foi o primeiro a fazer isso, e seus textos serviram de base para os relatos de Mateus e Lucas, que aproveitaram para tirar do texto anterior algumas situações que lhes pareceram heresias. "Em Marcos, Jesus é uma figura estranha que precisa fazer rituais de magia para conseguir um milagre", afirma o historiador e arqueólogo André Chevitarese.

JESUS - Jesus nasceu na Palestina, provavelmente no ano 6 a.C. ao final do reinado de Herodes Antibas (que acabou em 4 a.C.) - em conformidade com Lucas e Mateus que afirmam que Jesus nasceu "perto do fim do reino de Herodes". A diferença entre o nascimento real de Jesus e o ano zero do calendário cristão se deve a um erro de cálculo cometido por um monge no século VI, quando a Igreja resolveu reformular o calendário. Além disso, é praticamente certo que Jesus nasceu em Nazaré e não em Belém. Lucas afirma que a anunciação ocorreu em Nazaré, onde José e Maria viviam, mas eles foram obrigados a viajar até Belém pelo censo "ordenado quando Quirino era governador da Síria". Os registros romanos mostram que Quirino só assumiu no ano 6 d.C. - 12 anos depois do ano de nascimento de Jesus. A explicação que o texto de Lucas dá para a viagem de Jesus ate Belém seria falsa. A história foi criada porque a tradição judaica considerava essa cidade o berço do rei Davi - e o messias deveria ser da linhagem do primeiro rei dos judeus.

OS APÓSTOLOS - Não há certeza quanto ao número de discípulos que viviam próximos de Jesus. Nos evangelhos, apenas os oito primeiros conferem - os quatro últimos têm muitas variações. A hipótese mais provável é que o número "redondo" de 12 discípulos foi uma invenção posterior para espelhar, no Novo Testamento, as 12 tribos dos hebreus descritas no AT.



Bíblia é reprovada no teste da arqueologia

O relato da Bíblia sobre o Rei Davi é tão conhecido que até mesmo as pessoas que raramente abrem o Livro Sagrado provavelmente têm uma idéia de sua grandeza.

Davi, segundo a Escritura, era um líder militar tão soberbo que não só capturou Jerusalém, mas também transformou a cidade na sede de um império, unificando os reinados de Judá e Israel. Assim começou a era gloriosa, mais tarde ampliada por seu filho, o Rei Salomão, cuja influência se estendeu da fronteira do Egito até o Rio Eufrates. Depois, veio a decadência.

Mas e se a descrição da Bíblia não estiver de acordo com as evidências do solo? E se Jerusalém de David era, na realidade, um vilarejo rural atrasado e a grandeza de Israel e de Judá estivessem num futuro longínquo?

Recentemente, as autoridades em arqueologia de Israel têm feito essas afirmativas, falando do ponto de vista das descobertas recentes de escavações do passado antigo. "Da maneira que vejo as descobertas, não há evidência alguma de uma grande e unida monarquia, nem de Jerusalém governando vastos territórios", disse Israel Finkelstein, diretor do Instituto de Arqueologia da Universidade de Tel Aviv. A Jerusalém do Rei David, acrescentou Finkelstein, "não era nada além de uma pobre vila na época".

Afirmativas desse tipo deram a Finkelstein uma reputação de um acadêmico fascinante porém controverso. Ele é chefe das escavações de Megiddo, um sítio arqueológico vitalmente importante no norte de Israel. Seus relatórios de Megiddo afirmam que algumas estruturas atribuídas a Salomão, na realidade, foram construídas depois de seu reino. Isto gerou um grande debate em Israel.

Em um contexto maior, o discurso de Finkelstein reflete uma mudança surpreendente que vem ocorrendo entre alguns arqueólogos de Israel. Suas interpretações contestam algumas das histórias mais conhecidas da Bíblia, como por exemplo, a conquista de Canaã por Josué.

Outras descobertas dão informações suplementares à Escritura, como o que aconteceu com Jerusalém depois que foi capturada pelos Babilônios há 2.600 anos.

Em entrevista por e-mail do sítio de Megiddo, Finkelstein disse que antes, "a história bíblica ditava o curso da pesquisa e a arqueologia era usada para 'provar' a narrativa bíblica". Desta forma, disse, a arqueologia tornou-se uma disciplina secundária. "Acho que chegou a hora de colocarmos a arqueologia na linha de frente", disse Finkelstein, co-autor, com Neil Asher Silberman, do livro "The Bible Unearthed" (a Bíblia escavada), a ser publicado em janeiro pela The Free Press.

As práticas do passado às quais aludiu podem ser ilustradas por uma observação feita por Yigael Yadin, general israelense que se voltou para a arqueologia. Certa vez ele declarou que entrava em campo com uma espada em uma mão e a Bíblia na outra.

Muitos arqueólogos, tanto antes da fundação do estado moderno de Israel quanto depois, tinham o mesmo tipo de estratégia: buscar evidências diretas de histórias bíblicas. Essa maneira de ver era gerada por suas convicções religiosas ou sionistas, disse Amy Dockser Marcus, autora de "The View From Nebo" (a vista de Nebo, editora Little Brown). Seu livro descreve, de forma cativante e detalhada, a mudança que está acontecendo na arqueologia em Israel. O problema com essa perspectiva, disse ela, é que "você acaba interpretando aquilo que encontra de uma forma determinada", e isso, acrescentou, "levou a certos erros".

Em seu livro, Marcus -ex-correspondente do The Wall Street Journal no oriente médio - conta que Yadin acreditava que havia escavado evidências nas ruínas de Hazor que corroboravam o relato bíblico de como a cidade cananéia havia sido destruída. A Bíblia diz que Hazor caiu com a invasão dos Israelitas liderada por Josué.

Mas, atualmente, diz ela, um número cada vez maior de arqueólogos começa a duvidar que essa campanha de Josué jamais tenha acontecido. Ao invés disso, eles teorizam que os antigos israelitas emergiram gradual e pacificamente, de dentro da população geral da região. Eles propõem uma evolução demográfica e não uma invasão militar. "E isso explicaria porque sua cerâmica, sua arquitetura e sua escrita são tão similares a dos cananeus", disse Marcus.

Finkelstein utiliza o mesmo argumento: "A arqueologia demonstrou que Israel de fato emergiu da população local no final do período de bronze de Canaã". E mais, disse, a arqueologia não descobriu nenhum resto físico que sustente a história bíblica do Êxodo: "Não há nenhuma evidência de que os israelitas vagaram pelo deserto do Sinai".

Quando perguntamos qual foi a reação de Israel a essas conclusões, Finkelstein respondeu "forte e negativa". Mas a raiva, disse ele, não veio dos Judeus estritamente Ortodoxos ("que simplesmente nos ignoram", disse), mas de judeus mais seculares que se orgulham das histórias bíblicas por seu valor simbólico para Israel de hoje. "Acredito que a geração mais jovem - ao menos o lado liberal- estará mais aberta e disposta a ouvir", disse.

Ainda existem, entretanto, discordâncias consideráveis entre os arqueólogos em como interpretar muitas das descobertas recentes. Além disso, as novas teorias sobre Israel antigo estão surgindo logo depois de uma discussão apaixonada contra os "minimalistas" bíblicos, um grupo de acadêmicos que dizem que os relatos bíblicos do início de Israel, inclusive as histórias e Davi e Salomão têm pouca, se alguma, base na história.

The NY Times - 09/07/2000

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